sábado, 27 de outubro de 2007

Rubicundo e Nauseabundo - Mancômunos Manicômonos


Sexta-feira santa. Meio-dia. Sol a pino. Rubicundo passeia tranqüilamente com seu cachorro imaginário Red Rex no Central Park. Logo após o chafariz em forma de anjo mijão, encontra-se casualmente com Nauseabundo, mal divisado em meio à profusão de moscas varejeiras. Estacam, entabulando breve colóquio:
- Dr. Nauseabundo, há tempos não o vejo! Noto que continua o mesmo velho decadente fedegoso. Ainda na Política?
- Não mesmo, caro camarão. Aquilo fede. Podridão por podridão, fico abaixo do chão.
- Voltou a limpar esgotos?
- Não. Cavo poços. Às vezes, covas. E V. Exa., nos circos da vida?
- Negativo. Vida de palhaço é muito triste. Ninguém mais ri. Palhaço só chora. Ademais, criança é bicho mal.
- Ah. Que pena. Gosto de circo. Uma vez trabalhei num. Limpava a jaula dos elefantes. Aprendi que a similitude, o ponto de aproximação, entre o homem e o elefante consiste no poder altamente elevado que ambos possuem de produzir merda.
- É a mais pura verdade... Interessante isso.
- O quê, Rubicundo?
- O destino. A providência, talvez. Pense comigo: hoje é sexta-feira santa, o sol está a pino porque são doze horas, não posso caminhar neste horário devido a meu problema epitelial, contudo, justo hoje, decidi mandar às favas as recomendações médicas. Daí, encontro você, que não via há meses. Falamos de política, podridão, futum, poços, esgotos, sepulturas, circo, elefantes, palhaços, homens e merda. Não é genial?
- Sei não, amigão. Acho sinceramente que não deve mais contrariar seu dermatologista.
- Porra, Nauseabundo, o fedor afetou seu cérebro? Não percebe o que acabamos de fazer? Filosofamos a mais pura e profunda filosofia.
- Continuo sem nada entender, ínclito Red Bull.
- Tá. Tentarei ser mais claro. Nosso diálogo contém oito substantivos concretos e três abstratos, o que perfaz um total de onze vernáculos, número cabalístico que significa o infinito, o etéreo, a deidade.
- Caralho, definitivamente, o sol derreteu seus miolos.
- Topas um experimento exemplificativo de minha teoria, nobre mal-cheiroso?
- De fétido e de louco, todos temos um pouco. Manda.
Horas depois, tremendo corre-corre, os evangélicos em dabandada, atropelando-se uns aos outros. Nave balouçante. Balbúrdia. Gritos.
- Abriram as portas do Inferno! - alguém bradou.
Rubicundo, coberto de bosta, fita Nauseabundo - que a despeito da rubra tinta sobre o corpo continuava fedendo mais que o amigo - olhar altivo satisfeito, sentencia:
- Viu só? Não falei? Debandada na abadia. Filosofia cabalística. A religião nos limites da simples razão. Somos merda. Somos Deus e o Diabo. Somos uno.
- E fedemos mais que a morte.
- É isso aí. Agora você entendeu.
- Entendi.
- Vamos sacramentar?
- Como?
- Eu cago, você mija. Eu arroto, você peida.
- Putz, já é.

Carlos Cruz - 25/08/2007

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

PÃO E POESIA


Cristo de Robert Lee Jones



Problemas da poesia contemporânea, parte 1


Não é de hoje que a poesia tem se distanciado do público leitor. Não bastasse vivermos num país que pouco lê, há ainda, por sua vez, uma onda de poetas tomados de aversão ao leitor. O problema é sistêmico. Não há verbas para educação. Para a cultura, muito menos. A iniciativa privada, iletrada, dotada da visão mais selvagem do capitalismo, está disposta a colaborar em troca de lucros, de marketing, de maior visibilidade diante da opinião pública. A poesia que não vende, que não pode ser alvo da mais-valia, vai perdendo espaço para a auto-ajuda, sobretudo a místico-empresarial, para a vernissage produzida sobre encomenda para a coluna social – abstratos prêt-à-porte, enfeites para sala e cozinha; reminiscências pequeno-burguesas sobre os ares da Dysneilandia, e a exaltação do estado de tolerância zero nas mãos de Rudolph Giuliani.
O apego formal, a busca de uma construção rigorosa, a abolição dos sentidos, do discurso, são partes importantes no processo que está em curso e que visa tão somente expulsar a poesia da vida das “pessoas comuns”. A poesia deixou de dizer algo, para se tornar algo. Artigo de luxo, incompreensível, que tem por finalidade ser objeto de admiração para iniciados. Numa sociedade que abole o lúdico e que trancou Dionísio no porão, a poesia feita de poetas para poetas é um experimento laboratorial com um fim em si mesmo. Não serve para nada, a não ser como experimento laboratorial.
O que mais soa constrangedor nessa pretensa “nova poesia” é a aura que se defende de novidade. Não há nada de novo no front. É, quando muito, mais um retorno ao passado clássico, como houve com o Arcadismo, com o Parnasianismo, com a Geração de 45, e assim por diante. Hoje, o foco escapa “do que se diz” sendo de importância apenas “como se diz”.
Por outro lado, é bom ressaltar que não se trata – não nos enganemos – de um culto ao hermetismo de Salvatore Quasimodo ou Marllamé. Ainda que haja, sobretudo a respeito de Marllamé, uma enorme veneração, essa safra de poetas está mais próxima do acaso criativo de Jackson Pollock. Marllamé, como já foi devidamente observado por José Lino Grünewald, era antes um “autor exigente” a um “autor difícil”. O que temos no ar viciado dessa nova safra são autores apenas difíceis. Não possuem o trabalho de signos de Marllamé, muito menos a lapidação que possa revelar a idéia escondida no fundo do poema. Grosso modo, a estética – dos cosméticos – impregnou as páginas dos livros.
Retirar os méritos do Concretismo, por exemplo, ao ambicionar expulsar o elemento discursivo da poesia não é o caso. Até mesmo porque há, nessa ousadia, um momento onde o verso foi repensado. A possibilidade do debate, a abertura da discussão é sempre válida. Sobretudo no tempo onde impera a visão unilateral da mídia e a exaltação do monologismo dos sectários. Mas crer que a experiência concretista é o modelo único e correto já é outra coisa. Filiando-se a uma tradição de pensamento, o autor estará, por sua vez, excluindo as possibilidades de outras tradições. A experiência de vanguarda, nesse caso, é ainda útil e legítima, desde que diluída, assimilada a outras possibilidades.
O mundo é novo a cada segundo. A velocidade das mídias, o intercâmbio de culturas só exigirá uma poesia nova, que esteja a par de tais mídias e compreenda a dinâmica desse mundo. Mas o que se tem é uma poesia artificial, que flutua dentro de uma bolha de isolamento, respirando apenas nas páginas dos dicionários, nos manuais de transgressão etimológica. Já é mais que sabido que a “poesia destituída da realidade social não vale mais que um saco de alpiste”, como já foi dito no Manifesto Potencialista.
A incapacidade de compreender o mundo, ou o que Marx chamaria de auto-alienação, pode explicar essa onda de poetas que acreditam que Fukuyama estava, em absoluto, correto ao decretar o fim da história. O mundo está pronto e compreendido, e o capitalismo já é um estado permanente e irreversível. Resta então, para esses, uma poesia que não esteja vinculada com o que acontece a sua volta, posto que nada, em tese, acontece.
Convén voltarmos a Marx, que demonstra que não basta, por sua vez, simplesmente interpretar o mundo, e sim modificá-lo. Mas isso já seria pedir demais para uma geração que voltou ao vaso grego, vazio.

***

CONVITE!

“A revolução trará não somente direito ao pão, mas também à poesia”

Trotsky


Camaradas, Diovvani Mendonça, do blog Poeminhas para matar o tempo e a dor de dente http://www.diovmendonca.blogspot.com/ está a frente de um projeto muito bacana, que se chama Pão e Poesia.

O objetivo deste é publicar autores novos, nos saquinhos de pão. A loucura poética circula inicialmente na cidade de Contagem, na grande BH, com tiragem de 300.000 embalagens!
O movimento recebeu adesões importantes. Há uma forte participação de autores portugueses, que levarão a idéia para as padarias lusitanas.
Quem sabe o próximo passo não seja lutar para incluir livros na cesta básica?
Interessados podem enviar os seus poemas - até 30 de novembro - para o seguinte e-mail:
pao.poesia@yahoo.com.br

Os trabalhos selecionados serão impressos em embalagens de pão distribuídas por toda a cidade!
Abraços e bom café da manhã a todos!



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terça-feira, 23 de outubro de 2007

Lascívia



Foto: Cristye

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Eu não via o seu rosto
_ ele estava mergulhado entre as minhas coxas_

Não beijei sua boca
_ ela estava ocupada me beijando os lábios...
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(Marla de Queiroz)
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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Três passos para uma guerra

I - O NEONIILISMO
Tempos de pensamento único. Entretanto disfarçado, maquiado, siliconado, sedutor. Ele se apresenta: “Nunca houve tamanho fluxo livre de idéias e saberes.” Mas então qual o motivo de tantos concordarem? “Porque é o sensato a se fazer” - responde. Mas isso é somente o cinismo da mentalidade hegemônica, que aprendeu a tudo absorver e anular. Então, ele adverte: “Não há mais espaço para revolução. Os que conseguirem se manter menos contaminados pelas idéias dominantes se tornarão outsiders, figuras periféricas vistas como párias, loucos, incompetentes, improdutivos, inadequados, irrelevantes.”
Por isso, a sensação de impotência frente a um mundo que parece permanecer impassível aos protestos, às críticas, ao inconformismo. Assim, as revoltas vão sendo abortadas antes de tomarem forma. O desânimo atinge o peito e as potencialidades de idéias livres são sufocadas. As melhores mentes e os espíritos mais sensíveis de nosso tempo são empurrados para um neoniilismo, e este é um terreno instável e perigoso; berço da violência dirigida ao próximo e a si mesmo.

II – AS MÁSCARAS PARTIDAS
Só que até a sensação de impotência nada mais é do que produto dessa indústria que nos traga. A história mostra que, um a um, cada paradigma inquestionável foi violado e humilhado quando o tempo certo chegou. Nada do que criamos é eterno. Tudo é mutável e frágil, por trás das impressionantes máscaras. Fortes não eram os impérios teocráticos, as propriedades feudais, a razão eurocêntrica ou a “superioridade” ariana. Forte é o homem que criou cada uma dessas terríveis fantasias, pois só ele tem o poder de destruí-las.

III – O CAMPO DE BATALHA
Se a ditadura do mercado, se a indústria onívora, são criações humanas, então não somos nós que temos que nos ajoelhar. O discurso onipresente, que a todo custo busca nos aliciar ou esmagar, sempre apresentará a realidade como forte e estruturada demais pra ser combatida. Mas isso é mentira. A mentira que sustenta a dominação de tão poucos sobre tantos. Que ao nos calar nos torna cúmplices. Que turva a visão, nos fazendo apontar dedos acusatórios para as vítimas. Mentira que nos torna assassinos. Culposo ou doloso, não importa, é crime de morte. Temos mais poder em nossas mãos do que querem que acreditemos. Cada recusa tem seu valor, cada ato tem sua conseqüência. Pequenas rupturas podem provocar impensáveis deslocamentos. Um dia uma negra se recusou a ceder seu lugar em um ônibus. Um dia um jovem judeu alemão transformou filosofia em arma. Um dia decidimos dizer não; deixamos as mãos sujas de sangue, pois acordamos para o fato de que lavá-las, como sempre fazemos, é ato abominável e covarde.

domingo, 21 de outubro de 2007

O menininho na Rua das Flores no Bosque das Emas depois da curva inesperada do esquecimento


Havia um menininho ali, parado. Observando o dia como ninguém nunca o fizera. Parecia compreender ou ver o que ninguém tinha visto antes. Era um menininho de olhos grandes, lacrimejados e corpo franzino, e era belo por isso. Por ser ele, peito intumescido, boca ávida, lágrimas estancadas em olhos imensos e negros... imensos olhos com íris negras.

Ele não parava de olhar o vão do dia, apenas via o que ninguém via. Havia certeza em sua visão, verdade maior que o tempo que se exauria e ninguém mais. Ele era só um menino sem educação, mas único, cheio de mundo e de sutilezas na porta de uma casa de barro ornada de flores, flores lindas e vermelhas num contraste límpido com sua pele preta e tenaz. Sob o forte sol do meio dia e o pó das ruas descalças.

A janela de madeira corrompida, entreaberta e o portal denunciavam cupins deixando explícita a harmonia entre aquele menininho, sua mãe e seus amigos. Amigos noturnos que não presenciavam o dia. Mas lhe traziam sonoridades para o seu ninar cansadinho e fúlgido na noite que de vazia nada tinha.

O menininho escapuliu um riso tímido dos lábios ávidos. Trouxe alegria da alma que enxergava a vida no vão. Fantasiou o dia obstante como água de chuva em dia de verão. Fez chover nos olhos a incerteza do estado presente entre a esquina e sua casa à esquerda da Rua das Flores no Bosque das Emas depois da curva inesperada do esquecimento. Lá... naquele dia, no começo da tarde.

sábado, 20 de outubro de 2007

Poesia pra auto-consumo





Os meus melhores versos surgem quando estou mais desligado
Quando estou, como se dizem, fora de mim.
Os melhores versos, às vezes apago
Às vezes esqueço
Outras vezes nem os escrevo,
Seja pela imprudência da mão que não obedece a memória ou
Seja pela minha imprudência que desvirtua a idéia
Os meus melhores versos são simples e vêm acompanhados de versos piores
E antes de ver a palavra escrita, antes de ver as idéias afogadas em tinta,
Há o desejo de dizer o momento,
E isso faz de mim um escritor de versos tristes
Escritor de história incompleta e imaginação traída

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Sem volta


Não me encantas
Olhares distantes
No mundo desmoronado
De uma beleza fugidia
Em sonhos escondidos
Não me acalentas
Sorrisos desmanchados
Em rostos obscurecidos
No fim da chama
Dos dias solitários
Em que os ventos sopram
As faces do passado
Vagando pelo mundo
E nunca mais voltar

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Força e Fraqueza ou Poema 61

61

Deixem-me
Passem a fila adiante
E sigam sem olhar para trás
Ou sal se tornarão

Olho ao lado
Todos de mãos dadas, pares
Como não tenho ninguém a quem dar as mãos
Ponho-as no bolso; tem lá o seu charme

Deixem-me
Deixem-me ser omisso
Ao menos uma vez
Deixem-me ser fraco

Pois já estou cansado de ser forte
E num supremo momento de fraqueza
Em que se precisa ser forte
Nunca mais sofrerei de novo

P.S. Este é o poema nº 61 do livro ainda não publicado "99 poems to die"...

terça-feira, 16 de outubro de 2007

REPRISE

Vinha o Fonseca andando no seu 0 quilômetro pela avenida W3 Sul, uma das principais de Brasília. Era um domingo, e o dito cujo pegara o carrão para dar uma volta pela cidade, e nada melhor do que a comprida e praticamente reta pista de não sei quantos quilômetros de comprimento, quase que deserta naquele dia.
Fonseca percorreu toda a avenida e entrou no Eixo Monumental, contornou a Esplanada dos Ministérios e resolveu entrar na W3 Norte. Mais ou menos na metade desse novo percurso, foi obrigado a frear: uma moça e três rapazes, um deles com uma câmera de vídeo na mão, estavam parados no meio da pista e pediram para que parasse, o que fez.
— Bom dia, amigo, tudo bem? — perguntou um dos rapazes.
— Tudo, e com vocês?
— Às mil maravilhas. Nós pedimos que parasse para pedir um favor, se não se importar.
— Sim.
— É o seguinte: somos alunos de cinema e estamos fazendo um exercício prático, entende? Teremos que filmar nossos dois amigos aqui ao lado (e apontou para um dos rapazes e a morena de um metro e oitenta, bermudinha, top combinando com as sandálias, cabelos compridos e belos olhos amendoados, pequenos detalhes que Fonseca percebeu naquele segundo). Bom, eles estarão representando um casal de empresários que alugaram o carro para conhecer a cidade, já que vieram de fora. O que acontece é que o seu carro é o modelo ideal que procuramos. Será que poderia nos ceder por alguns momentos? Rodaremos até o próximo retorno e aí voltamos. A filmagem será feita pelo câmera naquele carro, que eu estarei dirigindo emparelhado ao seu. Esse trabalho vai fazer parte de um filme experimental e teremos o maior prazer em colocar seu nome como colaborador.
Fonseca pensou um pouco e, no fim, achou que não haveria problema em ajudar aqueles pobres alunos. Além do mais, a possibilidade de forçar uma amizade com a tal morena o agradava. Aceitou a idéia. Mas ainda perguntou:
— Não poderia ir junto?
O rapaz parecia esperar a pergunta e respondeu:
— Sinto muito, mas sabe como é: nesse processo de criação a gente fica um pouco sem graça com pessoas de fora, entende? Preferimos que o senhor veja o resultado da gravação só quando o filme estiver pronto.
Fonseca concordou com rapaz e se posicionou no canteiro central da avenida. O rapaz que o interpelara e o outro com a câmera entraram em um carro de 4 portas (o da câmera ficou atrás filmando) enquanto o casal entrava no seu importado. Sua última tentativa de ficar mais próximo daquele monumento de pele cor de jambo não foi feliz:
— Sabe guiar esse carro? As marchas são um pouco diferentes...
— Não se preocupe. — respondeu o jovem — estamos acostumados com esse tipo de veículo.
E saíram.
Fonseca calculou que estariam de volta em 2 minutos.
Esperou três.
Quatro.
Cinco.
Ao fim de dez minutos, desconfiou de que algo estava errado e começou a andar de um lado pro outro. Após algum tempo, ligou desesperado pra polícia.
A viatura chegou logo depois e ele foi levado para a delegacia. Sentou-se de frente para o delegado e começou o seu relato. À medida que ia falando, tanto o delegado como o escrivão faziam uma cara de que já conheciam a história. E de fato: grupo de bandidos bem vestidos e de boa lábia fingiam ser estudantes de cinema e levavam pra uma filmagem que não acabava nunca os carrões de grã-finos, naturalmente cheios de amor pela arte (sempre havia uma bela morena presente).
Desconhecia-se contudo, se o filme passaria depois em terras paraguaias ou em alguma oficina de desmanche da cidade...
Ao terminar a história, ante o silêncio do delegado, Fonseca perguntou:
— E então doutor? Acha verdadeira essa história de filmagem?
E o delegado apenas respondeu:
— Sim, meu amigo. Eu até já vi esse filme...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007






Ó espaço pequeno dentro de mim!
Para viver serrada do avesso
Sufocada no atropelo
Catapulta de estopim


Imagem de mistério
Progamada no passado
Cozida no vapor
em chamas do pecado

Pega-me aos tapas!
Sou mesmo seu triste souvenier
Esquecida na prateleira
Outrora cravada em marfim


Não quero companhia
Esta noite sou meu par
vestida de corvos
Com a orelha de Van Gogh
Me convido a dançar
(imagem:Van Gogh com a orelha cortada)

domingo, 14 de outubro de 2007

Minha tia era um general

O nome da minha tia é Waltraut. Parece um castigo. Aos alemães é um nome para ser ostentado com orgulho. O problema de Waltraut, em relação ao próprio nome, é ter nascido no Brasil e residir no Brasil. Nasceu nos anos 20, do século passado. Filha de alemães imigrantes. Foi para a escola alemã. Freqüentava o clube alemão. O vizinho da frente era alemão. O da esquerda, alemão. O da direita também era alemão. Na mercearia comprava Reis, Bohnen e Zucker. Tudo em alemão. E o Herr Schmidt anotava em alemão a despesa na caderneta para a cobrança mensal.
Antes de prosseguir vamos para uma aula de alemão. A pronúncia do nome da minha tia é Váutraut. Com o último tê mudo. Repita comigo: Váutraut. Nem é tão difícil. Mas a aula não terminou. Reis é pronunciado ráis e significa arroz, Bohnen é pronunciado bônen e significa feijões enquanto Zucker é pronunciado tsúquer e é açúcar. Todas são iniciadas por maiúsculas porque substantivos, em alemão, são iniciados por maiúsculas. Agora podemos voltar à nossa tia. Ou melhor, à minha tia Waltraut.
– Quase esqueço de apresentar o Herr Schmidt. Herr Schmidt, leitor. Leitor, Herr Schmidt. Herr quer dizer senhor e Schmidt é tão comum quanto Silva ou Souza. Pronuncia-se hérr Chmit. Com tê mudo. Voltemos à tia Waltraut.
Ela era bonita, tinha postura ereta e voz firme. Se por um lado era elegante e ingênua por outra era determinada e inflexível. Quase uma caricatura.
Lá nos anos 60 ela pegava no pé dos meus primos, filhos dela. Queria que eles falassem alemão. Era mais do que natural que eles falassem português, como todo mundo. Na escola, no clube. Como o vizinho da frente e o do lado esquerdo. E o da direita também. Todos falavam português. Mas a tia queria que eles falassem alemão entre si. Irmão com irmão. Irmão com irmã. O cinto estalava no ar se um deles respondesse em português uma pergunta alemã. Tem que falar alemão! Dóitch chprehen! A minha tia era um general. E, generais não podem ser contrariados.
– Deutsch sprechen! – Fale alemão! – Ela ordenava em tom ríspido.
A prima mais velha já namorava escondido e ainda ouvia constrangida o ameaçador: – Deutsch sprechen!

O meu primo mais novo que devia ter uns sete anos também ouvia o Deutsch sprechen vinte vezes ao dia. Aquilo era uma lavagem cerebral. Tanto era, que um dia o menino estava brincando e se divertindo com o irmão e, de forma ingênua, perguntou para a mãe:
– Tenho que rir em alemão também?
Foi a libertação. Nunca mais a tia Waltraut ordenou que falassem alemão.
Mas meus primos nunca se libertaram de terem de comer espinafre, berinjela e chuchu. Tudo em alemão. É lógico.

sábado, 13 de outubro de 2007

Estou saindo do Manufatura

Por motivos éticos saio do Manufatura, mas não sem antes agradecer o espaço que me foi concedido esse tempo todo, nesse blog que considero um dos mais bem organizados do Orkut. Agradeço à mentora e principalmente aos colegas, que sempre me prestigiaram com seus comentários construtivos e sensatos.
A partir de hoje o dia 13 está a disposição.
Meu muito obrigado,

Beijos

Culpa

Cheguei cansada.
Colhi as flores
Murchas, coitadas,
Descoloridas, empoeiradas,
Pareciam mortas...
Reguei as flores,
Como sangue em carne viva,
Dilaceradas, de pétalas escorridas
No ralo da pia.
Não ressucitaram.

Agora vão me culpar por todas as queimadas da vida.

Me Morte

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

convite

"Segunda-feira próxima, teremos o nosso 21º Sarau, desta vez homenageamos os 3 maiores poetas vivos da literatura Brasileira: o amazonense Thiago de Melo, o Matogrossense Manoel de Barros e o sopro de vida poética que chega do Sul: o gaúcho Fabrício Carpinejar. O patrono deste grande momento será o pernambucano João Cabral de Melo Neto que há pouco nos deixou e que, para muitos, foi o maior poeta brasileiro. Tudo ao som das mais belas músicas de Caetano Veloso interpretada por cantores de gabarito como Salomão de Pádua, Virgínia Studart, Goya e Lúcia de Maria.
Como este Sarau é também uma homenagem ao dia do funcionário público, tudo indica que o Presidente da Casa, outros membros da Mesa e a Diretoria da Casa se fará presente.
Além disso, o tradicional COQUETEL que o Sindilegis nos oferece está especialmente caprichado.
A Escritora paulista Cida Sepúlveda, como pode ver no convite abaixo, virá lançar seu mais recente livro "Coração Marginal" editado pela Bertrand.
Por fim, os corajosos participantes do Desafio dos Contistas serão homenageados e haverá duas performances inesquecíveis de dança e violoncelo!
Um tremendo programa para sua segunda-feira, com a promessa de que será um Sarau bem enxuto, com apenas hora e meia de espetáculo!
Espero poder contar com sua presença e, se possível, pois queremos uma casa cheia para este Sarau mais do que especial, peço-lhe que repasse o presente convite para quem você achar que apreciaria um evento como este!
Posso contar com você lá e com a ajuda na divulgação?"
Marco Antunes
--------
- tai, marco, uma ótima divulgação num canal mais que competente! prestigiemos!

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

incerto

e que vidente irá abrir as entranhas de um peixe e ler, não o futuro, mas suas próprias vísceras?
e que astrólogo olhará para cima e enxergará, não deuses e feras, mas a perfeita cúpula azul que o guarda?
e que relojoeiro quebrará o relógio para consertar o próprio tempo?
e que cigana pisoteará os vidros de suas poções, sangrando os pés e se apaixonando pelo chão onde pisa?
e que cartomante virará as cartas cruelmente, sabendo que a sorte se decifra apenas nas costas de seu baralho?
e que quiromante, me vendo as linhas da palma, enxergará o fio rompido que era a criança que eu levava e que um dia,
no meio da praça,
soltou minha mão.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

domingo, 7 de outubro de 2007

Velhice


Na inquietude da metrópole,
sentado à beira da calçada,
lágrimas umedecem o olhar
taciturno de uma velhice.
Os braços que nada produzem
apenas sustentam, empalmados
ao rosto, a lástima alheia
que impiedosa tomou-me
de assalto em meu cotidiano
solúvel.

Esvaziei – me
desconstruí meu ego
me vi entregue.
Os Velhos Choram?
Crianças choram,
mas aquela velhice abalada
soluçava feito criança.
Não sei os motivos,
poderia abraçá-lo
como um filho a um pai,
poderia confortá-lo.
Simplesmente chorei
por minha incompreensão,
por olhar sempre meu próprio umbigo.
Por não pensar em que fim
sua vida se descortina,
sem saber que seus sonhos se desmoronavam
encharcados daquelas lágrimas.

A velhice chora
de saudade da infância,
dos tempos já vividos,
dos amigos que dormem
no passado.
Passa o tempo
e minha ruptura se refaz
na desconcertante rotina
que engoliu pouco a pouco
a imagem de um velho
que sentado à beira da calçada
lastimava sua vivência
em lágrimas que molhavam
seu taciturno olhar!

E, pouco a pouco,
vou envelhecendo!
.
.
.
(...)
Poema do livro: Itinerário Fragmentado (ainda no prelo).

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

- Acalma-te, não há de ser nada demais.

Não te desesperes
Por sentir dor ao respirar,
Enquanto as partículas invisíveis de ar
Tomam caminho com facas em punho
Rasgando a couraça viva
Que me cobre por dentro.

- meu sangue nada mais é
que meu débito a deus ou ao diabo
pago através de sangramento
hemorrágico -

- Acalma-te, não há de ser nada demais.

Não te desesperes
Por sentir a realidadade
Desabar sobre as costas indefesas e nuas,
Seguindo ordens da gravidade,
Serva inocente e pura.

- meu sono é pesado
pelo peso que a realidade
pesa em mim -

- Acalma-te, não há de ser nada demais.

É o que digo a mim mesmo
Enquanto meu corpo se entrega
À cama quente e macia.

- É só mais um dia
Que se vai...

André Espínola

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Rara Borboleta



espectro alquímico
predestinado
à transfiguração
mutação de destino
e sombras
borboleta dourada
rebusca ausência
do perfeito casulo
largado à margem
dum passado
tesouro valido
apenas por incontáveis lágrimas
e pelo inestimável
arcabouço de experiências
adquiridas como
presentes
para um novo
e renovado eu

Caroline Schneider


quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A amada e o mosquito



Torna-se o ciclo das coisas...
Para minha deusa, dei meu vitae
Fez dele seu gosto e me matou,
Eu fui esmagado...
Depois um mosquito veio por um pouco de mim,
Incomodar-me e mostrar que ainda tenho vida
E eu o esmaguei...

Augusto Sapienza

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Sou todas as ausências
Sou chama apagada
Brasa encoberta
Que teima em arder
Mesmo consumindo-me
Sou a superfície do não ser
Do não existir
Sou reticências
“A rainha do negro
A princesa do nada.