domingo, 30 de dezembro de 2012

REVELANTE


Revelante o relevo da planificação! Revelar a ideia por trás do pensamento, tentar mostrar o que o antecipa. O penúltimo dia do ano vai ser tão bom como o último dia, para fazer testamento de Tempo de_corrido... apresentado deste modo: 2012 (um de Janeiro - 31 de Dezembro). 
Desde modo se faz a biografia, a mais sucinta de todas, digna de uma lápide! Queria algo de lapidar, já está. Em bruto, o texto está feito. Lapidar mais um pouco a ideia, dar novas faces/facetas, permitir captar mais luz e refractá-la de modo a obter mais brilho.
Um princípio de vida que impressionava os estóicos: encontrar na morte uma aliada, permitir ao fim da vida ser uma constante promessa de aproximação da perfeição: conquistar a serenidade - até ficarem tão serenos que já nem precisariam - respirar.
Imagino um dia, de manhã, revigorada mas sem forças, com o vigor de quem o perdeu, ao escovar o cabelo, olhando o espelho, fechar os olhos e sentir o coração, de vez, deixar de bater. Revelante!? Gosto desta certeza e dú _vida…

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Cidades

toda cidade desemboca no

mar

toda sempre

reconstruída de

céus

as pernas dos edifício e

de suas

difíceis

pessoas

constróem o desfiladeiro

das

águas

(

salgado passos

mergulham

)

.


                    - Graça Carpes -

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Milagre de Natal

Naquele dia 25, fez uma promessa: rezaria 10 pai nossos, 10 ave marias e, pra garantir, daria 3 pulinhos se a ressaca passasse.

Nada feito. Não tinha santo forte. Então, foi até a padaria comprar um Gatorade antes que sua cabeça explodisse.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Da estrela...




– Lá está ela! 
– Não adianta, não sei qual é... 
– Tu não vês? É a de brilho mais bonito! 
– Ah! Pra mim são todas iguais! 
– Mas pra mim ela é única.
– Devem existir milhões neste céu, como você consegue encontrá-la? 
– Eu a amo!

domingo, 23 de dezembro de 2012

Ao novo

foto: Ciril  

Um bom ano
a ilusão dos dias bons, 
o engano desses olhos
insanos, 
repetidos, 
numa nova versão
sem refrão.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Seu João


Foi assim. Eu já tinha ouvido falar da má fama dele, de briguento, fanfarrão. Sem falar folgado.

Motivo de a merda toda ter acontecido.  
Mas também, o desgraçado tá acostumado a fazer besteira desse tipo com a raça toda, mas comigo não.

Eu e a minha mulher, a gente tava na porta de casa. Dia bonito, resolvemos sair pra comer alguma coisa. Quando voltamos. Ele tava lá dentro. COMO SE A CASA FOSSE DELE!

Filho de uma puta, pensei.  A vizinha já tinha me falado que ele fazia essas coisas, mas pô, eu sou casado, quer invadir, pega uma casa vazia, tem tanta por aí.

Ficamos do lado de fora, pensando. Começou a chover forte, minha mulher, toda linda, se escondendo embaixo de uma árvore. Tô falando, foi tudo muito rápido. Sou macho. Entrei lá e biquei a cabeça dele até matar. Foda-se que era maior que eu, fiquei doidão e matei mesmo, porra, minha casa, que caralho.

Mãe natureza teu cu, Pardal comigo não tem vez, e se todo João-de-barro é igual, hoje a história mudou.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

luz- coração


Nossas escolhas pautam nosso cotidiano
contundentes marcos históricos
rasgando à fio de corte temporalidades escusas

que te dividem, rotulam e limitam
aqui, não me cabem unilateralidades
minha percepção quando não é múltipla é dual
bricolagem amorfa e indecisa de motivações sem fim

meu mundo fala português, inglês, espanhol, 
francês, turco, mandarim
e tudo de uma só vez

nesta tela a holística a realidade que globalizada engloba o nada navegante
como parecer inerte num mundo tão grande?

imaginação que divaga e consome
errantes pensamentos
somos todos seres projetados
no virtual espaço
imaterial da mente antenada
por emanações eletromagnéticas

quanto mais conheço
menor me sinto
partícula do todo
constituí mas não o é
em abrangência

quanto mais minha consciência se desloca
mais leve me torno para seguir na senda
da contínua escalada rumo à montanha sagrada
emanada da imaginação integrada para
além dos trópicos e dos horizontes
das brumas e da noite
além da ilusão
luz- coração.


                                      Flávia Amaro






segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Os 3 Poderes


Os 3 poderes é uma série que põe em questão pensamentos sobre a sociedade e suas relações com o que entendemos por amor, paixão, desejo, traição, fidelidade, vergonha, etc. Trata de comportamentos, medos e anseios do homem. Expõe conflitos do pensamento humano que, em pleno século XXI, ainda não somos capazes de tratar abertamente sem o julgamento de um olhar pudico e por vezes hipócrita. Por meio dos personagens representados por um coração, um cérebro e um pênis, 
Os 3 Poderes brincam com as maneiras de pensar; ora racionais, ora emocionais e ora sexuais, que reprimem-se e misturam-se diariamente em nosso pensamento.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Mulher da minha falta de sonhos

Sente o vazio no fundo do travesseiro. Revira-se e estica os braços em busca daquela presença; Uma esperança, nada além disso. Por mais que se deparasse com outro corpo, não seria aquele. Nunca mais foi.

Depois daquela noite, a cama sempre pareceu vazia.








texto do livro Colcha de Retalhos

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Olhos convexos



Olhares planos
Revelações mínimas
Ilusões no olhar

Janela Limpa
Espelho mágico
Olhar convexo

Mundo revelado
Imagens amplas
Dentro d'alma

Pinturas planas
Natureza morta
Estatísticas futuras

Realidade convexa
Presentes reais
Verdades Nuas


Joakim Antonio





segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Imitação de Ícaro




Fazia horas que estava deitado na cama observando o planetário projetado no teto. O quarto estava repleto de velharias, minhas companheiras, desde que Sofia me deixara. De quando em vez abria um livro para manter aquele velho hábito. Já não tinha gosto em leituras, amofinava facilmente com aquela literatura safada. Não suportava os títulos que recebera da namorada, livros esdrúxulos, sem composição, nem conteúdo. Haveria quem os defendesse veementemente, mas, não eu; não fazia caso daqueles livros, preferia ler Baudelaire, mergulhar nos infernos de Rimbaud, me perder nos processos metamórficos de Kafka. Sim. Aquilo era literatura e não esses títulos que mais parecem receituário. Literatura safada. Autores medíocres que querem apenas a fatia do bolo, povinho sem-vergonha. Não dava para ser assim. Decidi escrever. Optei pela loucura deixando ser tomado por uma obsessão doentia. Entrei para o quarto como quem entra para um casulo. Haveria de sair dali escritor, mas por onde começar? Enchi o quarto de livros raros que encontrava em sebos. Recolhia todo jornal literário, inscrevia-me em todos os suplementos. O espaço ficava cada vez menor ante o amontoado de papéis. Os livros empilhavam-se aos montes, pouco lia até que, definitivamente, perdi a razão. Seis meses. Havia seis meses que entrara para o quarto. Vivia debruçado sobre os livros e jornais que se espalhavam vertiginosamente. Dormia em uma poltrona, cochilos curtos, o suficiente para me recompor. Ficava alheio ao que se passava fora daquelas paredes. Saía do quarto apenas para atender a porta, raras vezes, para receber a pizza, o lanche ou os correios. A vizinhança estranhara meu comportamento, mas que importava? Era apenas mais um. Todo dia nascia gente, morria gente. “O homem não se barbeia, nem cabelo penteia. Ensandeceu de vez” - pensavam. Andava pelo quarto metido em um samba-canção, meias de algodão nos pés, ora um livro de poemas nas mãos, ora um romance. Estava me alimentando abundantemente. Meu desejo mais secreto me impulsionava.

Acordei certo dia com a sensação de poder confiscar os mundos, reter nas mãos todos os pequenos universos alheios, tornando-os matéria de primeira essência. Precisava romper o casulo que se formara entorno de mim, voar, sair às ruas tentando capturar os olhares, as dores, os medos, a violência dos homens. Em meu íntimo armava-se um circo, erguia-se uma tenda, formava-se uma imensa aldeia e, todas as civilizações habitavam-no. Gregos, romanos, vikings, maias, incas, astecas, normandos, egípcios, persas, aimorés, tupinambás, botocudos, o mundo inteiro se digladiava em mim. Caminhei por um tempo estranho à minha capacidade de compreensão das coisas e, me vi perdido em um imenso labirinto de imagens contorcidas da realidade. Não havia em mim nem uma faina de prosseguir. Retroceder era impossível, pois não havia caminho de volta, nem o fio de Ariadne a me conduzir. Segui às cegas em meio à multidão insana, desfraldei a espada e corri em direção ao sol. Senti um impulso, me joguei da ponte, voei. Voei alto. Braço erguido, espada em punho, pretendia apagar de vez aquele que usurpara da terra a condição de centro do universo. Decidido estava a destruí-lo, mas num golpe de mestre, fizera com que as asas que meu pai esculpira derretessem, e lançara-me no abismo. A morte não veio sobre mim, apenas destilou o veneno, inspirando-me todo tipo de desejos de vingança, um ódio expansivo inflamava-se no peito – gases que se misturam numa iminente explosão.

(...)

sábado, 1 de dezembro de 2012

flor de tempestade




suas palavras rasgam
as certezas que trago aqui
retumbam nas vísceras
desagregam meu sentido mais ego

essa lira fragmenta danos
nego meu querer mesmo que
as premissas teimem
em redundar no âmago

suas sementes crescem
feito praga esgueiram-se
nas frestas desavisadas
enraízam-se causando dor

desses desejos mui tardios
que sussurram, calado ouço
mas impune à minha súplica
continua a brotar em mim

é como flor de tempestade
desabrocha gentil
impera bela
sem se ater ao que me causa.


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

VERSOS PARES

Deixo os meus castelos
no ar, aos sonhadores
e suas mulheres.
As mulheres, sonhadoras,
são os seus homens,
deixo tudo a elas.

Eles, para serem merecedores
das mulheres que têm,
deixam tudo, aos seus
filhos, mulheres e cães.

O meu papagaio fica
para a vizinha, é tudo.

Agora, também, versos ímpares.

Tudo deixo aos seres,
ao ser como eles, aprendi
a respeitar as pedras.

Abro de mão tudo,
deixo os ossos e, as ideias,
levo comigo as que tive.
Ficam as que fiz,

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eclipse

chuvas disfarçavam  os  céus
assim como máscaras sobre
faces
indiferentes às calcificações e
mesmices
um novo tempo  e  novos
portais se abriram
às sombras as
guerras e as traições
agora
feito ecos de monges budistas as
crianças e seus risos
sonoramente
instrumentam o universo
ao sol...
ofereço meus versos

                  - Graça Carpes

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

sábado, 24 de novembro de 2012

1 – Criogenia

b) Ötzi, o Homem do Gelo 

Resta o corpo imolado
guardado nas entranhas
dos Alpes Ötzal                                 

Oferecido em hecatombe
a montanha –
que tem os seus caprichos –
guarda intacta a oferenda

A dieta de raízes
& os ossos de um mamífero               [Ochotonidæ] 
revelam seu cardápio final

O imenso freezer preservando
as tatuagens, a cor dos olhos             [primeira cor na escala de Martin Schultz]
a artrite                                                 [Borreliose de Lyme]

para que o Aquecimento Global
ou um alpinista o resgate
– Lázaro –                                [אלעזר]
de volta à luz dos holofotes



* do livro Elefante - editora Anfisbena, 2012

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Partidas


Depois do imprevisível
já não te sirvo de esteio 
ou guarda-chuva...
não me sustento.
Meus olhos marejam, 
teimosos...
Foi o eco da tua voz
ou o oco em meu peito
que me fizeram esmorecer?
Não ouviremos mais John Legend
de mãos dadas, no infinito.
Eu vou!
Segure-se no balanço, baby,
antes que as folhas caiam
e tomem todo o jardim...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

zero

quando você nada tanto que não sabe se já chegou do outro lado do mar
ou se está nadando em círculos
tanto porque nadar em direção ao nada
dá nisso

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Lua de Chesire

A lua, deitada no céu, sorri um sorriso minguado

Ela sabe que, por estas ruas enevoadas, durante a madrugada, encontrará apenas os bêbados e os loucos








texto do livro Colcha de Retalhos

domingo, 11 de novembro de 2012

Amigos de La Fontaine



Tá de barriga cheia né, safado?
Um queijinho cai bem de vez em quando né, hipócrita?
Euuu?
Não, eu mané. Você mesmo, que gosta de roubar coisas dos filhotes inocentes.
Ha, ha , ha, pelo menos eu não roubo comida de corvo.
Eu não roubei nada, caiu e peguei, tá bem.
Tá nervosa, santa?
Ai meu Santo La Fontaine, você fez de novo.
Pois é, não foi?
Queria que todos soubessem o quão sacana você é, e eu, a pobre raposa inocente, sempre caio nas suas provocações.
Vai reclamar com seu pai, o "Santo".
Sua sorte é que eu não ligo para essa parte, o importante é que ao encenar, acabamos ensinando.
É mesmo, finalmente você tem razão.
Ah, não enche meu saco e quer saber de uma coisa, vamos dormir.
Para quê?
Bom, pelo menos eu não me faço de burro!
Burro é em outra história, ha, ha, ha, ha, ha.
Ai meu La Fontaine, pena que você não pode mais mudar a história, eu ia pedir para mudar de papel.
Tá bom, ia ser, a raposa desafinada, ha, ha, ha!
Tsc, tsc, tsc, cala essa matraca e deita aí.
Tá bom, rabugenta, vamos dormir.
Vamos aproveitar, daqui a pouco alguém abre um livro por aí  e só poderemos descansar quando acabar a história.
Minha linda história, você quer dizer.
Ai meu...
Tá tá tá, não fala nada já to deitando, sua chata. Zzzzzz.... zzzz...
Epa, calma aí, seu corvo mal educado.
Que foi agora, raposa cri cri.
E eles?
Onde?
Ali olhando a gente.
Ah é mesmo, foi mal.
Até amanhã para você que está lendo, ou melhor, diz aí raposa.
Até a próxima história.

Joakim Antonio 

"Sirvo-me de animais para instruir os homens. Procuro tornar o vício ridículo por não poder atacá-lo com braço de Hércules. Algumas vezes oponho, através de uma dupla imagem, o vício à virtude, a tolice ao bom senso... Uma moral nua provoca o tédio. O conto faz passar o preceito com ele; nessa espécie de fingimento, é preciso instruir e agradar, pois contar por contar me parece de pouca monta." Jean de La Fontaine (  Na introdução da sua primeira edição do livro “Fábulas”)  

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

(...)



Eram simples tentativas de se comunicar com o mundo. Não lhe cabiam as simbologias. Nem mesmo as linguagens. Apenas a deformidade dos acontecimentos. Algo como um terremoto interior. Os passos em que caminhava pela rua eram meio trôpegos. Torpes eram os caminhos. Não haveria lugar no mundo. Lugar aonde pudesse se refugiar do inconcebível. Jamais se resignara. Em tempo algum haveria de se curvar. Poderia quebrar-se ao meio. Poderia partir-se inteiro: não se curvaria. Não se ajoelharia diante de reis nem de deuses inoportunos. Era inquebrantável na descrença. Contudo, era esperançoso. Não se admitia mergulhado em fatalismos. Sua capacidade de crença estava direcionada à potencialidade do ser humano. Sem maniqueísmos sabia das direções e impulsos racionais que nos levam a prática do bem ou do mal. Nunca separou os semelhantes em joio e trigo por achar a parábola inconveniente. Preferia acreditar em pessoas desajustadas socialmente. Ele, por exemplo, não se alinhava ao comum das gentes. Vivia a parte. Observando os acontecimentos sem desprezar os fatos. Afinal, era preciso refletir. Antes de tudo, antenava-se nos novos ritmos da cidade que cada dia mais se tornava intransitável. Carros, desvios, gente descolada demais, tresloucados fugindo de si mesmos nas cracolandias (ou tentando se encontrar num ambiente hostil que lhes ofusca a visibilidade). A polícia e o Estado expulsando essa gente dos centros. Levando-os sabe lá para onde. E, aqueles mesmo descolados aplaudem a limpeza das praças. Que sumam com aqueles pobres chupadores de pedra. Fumar unzinho pra relaxar é coisa de bacana – é até legal – não essa loucura que está solta nas ruas; esses tresloucados analfabetos que ficam empestando a cidade: ora roubando ora na mendicância.

Não se tratava de um jovem transviado. Viver na alucinação diária é calamitoso. É corre- corre para estudar. Formar. Ser alguém direito. É a luta para se ter um emprego para a sobrevida que levamos a esmo. Se adequar é difícil. Corta o cabelo, apara a barba, camisa dentro da calça, cinto a combinar com os sapatos. Gel no cabelo. Perfume. Cheiro de gente de bem. “Que merda é essa em que estou me transformando? O retrato do vizinho imbecil do AP 804. Agora só me falta uma colocação na repartição pública. Vá se fuder – vidinha mofina.” Tenta provar pra si mesmo que é um desajustado. No fundo sabe que não é. Segue todos os padrões e ditames da moda. Seu pensamento é escasso de sobriedade. Está sempre a repetir frases alheias. Disfarçando de intelectual de boteco. Se houvesse um interlocutor a altura discutiria Nietzsche. Falaria horas inteiras de como somos produto do meio. Ou das relações do homem contemporâneo e os meios de produção. Porém, todos os seus encontros são banais e se forjam nas inúteis futilidades diárias. Qualquer encontro ou conversa é como uma avalanche de parvoíces onde os assuntos estão incrustrados da grande torpeza televisiva. E todos os homens parecem modelos saídos diretamente daqueles programas de auditório desqualificados onde toda mentira gera polêmica sob o trajo de verdade indissolúvel. Impossível ser honesto nas amizades, exprimir os pensamentos que o atormentam, compartilhar experiências. Afinal, todos estão ligados na vibe. Altas discussões sobre a validade do título inédito conquistado de forma invicta por aquele time de milhões de torcedores. Nada mal aquela jogadora de vôlei gostosa que saiu pelada na revista desse mês. E vai cerveja, vai tira gosto, mais cerveja e tira gosto. E o papo não muda a fita. Sempre a mesma falação. As lutas do Ultimate. Aqueles trogloditas a se encararem dentro de um quadrado (octógono, tá bem?) rosnando como cães raivosos. Ah, barbárie! Seja bem vinda à vida desses reles mortais. Ah, barbárie! Seja bem vinda ao cotidiano de nossas crianças. E assinam os canais de Combate. E discutem as regras do jogo, ou mesmo a falta delas. O objetivo é finalizar o adversário (ainda não estão autorizadas as mortes, mas basta César, fazer o sinal de aniquilamento e elas virão). Banalidades. A vontade de estar trancado no quarto entre os livros e discos. Ouvindo Blues, curtindo Jazz.  Lendo Bukowski e se mijando de rir com as sacadas bem humoradas: “você tem que trepar com um grande número de mulheres/ belas mulheres/ e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.” Sentado diante do notebook tentando escrever alguma coisa que preste. E que não esteja infectado das patranhas diárias. Mas ele sabe que é impossível não contaminar-se. É impossível viver sob um escudo que o deixe isento. É impossível sair ileso, não sofrer danos nas retinas, nos tímpanos ou na alma. Mesmo que feche os olhos, tape os ouvidos, em algum momento, virá a chuva de banalidades. E, não adianta livros, discos, filmes. Não adianta ser cult, cool ou anarquista. A presença da mediocridade nos assombra. E esta sombra é o que nos envolve diariamente tentando nos converter, tentando nos convencer de que somos todos iguais e que devemos continuar sendo iguais. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

estátua de sal




a imagem endurecida
mal chora trancada em si
na esperança de se achar

[calo]
trago aqui
cada palavra
cada respiração
cada som
toda a sensação
rubra, rubra, rubra

[vem]

e que minha retina
te cubra ainda dilatada
e que seus poros
jamais se esqueçam

[garoe]

que teu sorriso
me é bastante
enquanto molha
meu corpo


[vê]

que não há limites
entre o que é nosso
que a loucura é sã
enquanto unos

[sente?]

terça-feira, 30 de outubro de 2012

TESTAMENTO REPLETO


Como sempre, morro antes de escrever o meu testamento. Quero ser levado a sério? Nem pensar! Pensar é a última coisa a fazer.
Bom, está na altura de pensar, tenho de fazer este testamento, que chatice! Quem se terá lembrado de fazer, pela primeira vez, um testamento?
Deixo os meus ossos a quem os quiser honrar e venerar, até achar melhor coisa para fazer e se dedicar a amar as frescas flores!
Já deu para perceber que me custa pensar sobre o que possa sobrar depois de soçobrar, enquanto vivo obro e faço amor, como e durmo: é uma beleza, haja saúde!
Façam o mesmo que fiz, se_ria… tudo. Já está; foi, fui. 

domingo, 28 de outubro de 2012

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Mercado da Bola


O empresário, seu clube atual e o anterior: tal como uma pizza, sua posse estava divida entre os três. E a briga por umas fatias a mais ia longe.

Em geral, ele gostava disso. Sentia-se valorizado, querido. Mas agora, preso por dirigir embriagado, ficou a dúvida: para quem ligaria primeiro?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

No Oculto





Estou no oculto, no subliminar, nas entrelinhas, nas reticências, dentro dos parênteses. Eu estou atrás da cortina, debaixo da cama, dentro do quarto trancado. Meu desígnio é estar perto, mas ao mesmo tempo longe. Porque eu estou apenas no desejo, na ânsia e na fome; Na tinta da caneta, no papel não feito, nas jóias que não brilham. Estou no aperto, no lotado, em grandes espaços, no oculto da fantasia, dos contos de fadas, nos livros de sabedoria. Minha vida é estar no canto, observando como espectador, tudo em volta, girar como uma roda. É contemplar a vida no auge do limiar, no limite do horizonte.

No oculto ninguém me vê, estou invisível, apenas paralelo ao mundo real. É no oculto de um olhar, de um piscar, de um grande bocejo, ou em uma palavra não dita. Estou dentro do cheio, fora do oco, estou limpo no sujo, sujo no limpo. Estou nos bastidores de um filme, atrás das câmeras, na luz que não ilumina, na sombra que não é escura. Sou coadjuvante das pessoas, sou a sombra, a lágrima que cai, o abraço que nunca foi feito, a mão que nunca foi apertada.

Estou no oculto, no sótão, no porão, na prisão, sozinho na imensidão; estou sem estar num lugar sem existir, invisível no visível, visível no invisível, estou preto no branco, branco no preto. Na reta da curva, na curva da reta.

Estou apenas em mim mesmo, no finito do infinito...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Metamorfose


Lembra? Eu tinha graça... eu corria descalço pelas ruas. Eu ainda sorria. Quando a chuva caía fria e colorida, eu mergulhava nela. Nesse tempo, a mochila não pesava nas costas. Nessa mesma época, eu cantava e não sabia que desafinava, queria tocar piano mas não o abria, queria ter uma horta, mas não cultivava. Sei que você se lembra de quando eu ainda pulava sem motivo, escalava os muros mais altos e ainda tinha equilíbrio... Você não acreditaria no que sou agora: ouço e não discuto, escrevo cartas e as deixo nas gavetas! Agora, determino o lugar das coisas, os quadros nas paredes, as cores e os sabores que ninguém vai provar. Você ao certo se esqueceria de quando eu dominava esse mundo, só com meu escudo e uma espada enferrujada... num piscar de olhos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Dia Nacional da Leitura / e-Colcha

Hoje, dia 12 de outubro, Dia Nacional da Leitura, lanço a versão digital do livro Colcha de Retalhos



O livro está disponível para leitura online ou download em formato pdf, no sistema "pague quanto quiser, se quiser"

Conto com a colaboração dos amigos para divulgar este lançamento e ampliar o alcance desta obra!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Ultrajada



Bandeira hasteada.

Contra a haste,
cupins, serras,
culturas inteiras.

Metade solitária.

Solidária a meio-pau,
encontrada a meio-fio,
enfincada na multidão.

Fulgurante como o sol.

Ilumina a noite,
até virar cinzas,
e talvez, Fênix.

Multiplicada em partes.

Rasgadamente exaltada,
parte por parte,
após regurgitada, de cima.

Bandeira ultrajada.

Por não conseguir chegar,
muito antes,
a quem mais a exalta e precisa.

Joakim Antonio

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Margens Plácidas

para quem já viu de tudo,
não há nada que assuste mais
do que a normalidade.

domingo, 7 de outubro de 2012

Ideias para um romance


Minha admiração se eleva ao fracassado. Aos homens de espírito fraco, aos desconhecidos. A inconcebível presença dos que vivem a margem do panteão. Enxadrista que não fui, valorizei em demasia a nobreza e seus artifícios. Meus desenganos aniquilaram os peões. Desprezando minha condição social, alimentei, por muitos anos, vários sonhos burgueses. Sonhos estes que vi desfeitos ao longo da vida. E, agora, em meu juízo, noto que o fracasso me rondava desde os primeiros anos. Hoje, tépido e ausente do que fui, posso olhar para mim mesmo e ver onde errei na vida. Os caminhos que escolhi e nunca cheguei aos meus desejos. Assento-me em minha poltrona empunhando um livro que leio sem entusiasmo. Ouço canções que em outros tempos me fariam flutuar; neste instante estou alheio, insensível. O único sucesso que ainda possuo é a biblioteca em que estou imerso. Pífias estantes de pouco mais de mil exemplares que fui juntando vida afora. Agora - gordo, hipertenso, grosseiro e fatigado – restam-me as horas que se arrastam ligeiras, feito serpentes. De um ensaio salto a uma poesia, percorro um romance que deixo inacabado sobre a mesa, remexo nos papeis sobre a escrivaninha. Vida inglória esta.
Nunca tive um plano, um projeto de vida. Nunca elaborei uma estratégia para os dias futuros. Embora imaginasse a dureza que seria nunca me preocupei tanto. Contudo, percebo que nada construí. Todos os sonhos que tive, foram apenas sonhos, que como nuvens se desmancharam com o vento. Ah! Se tivesse morrido aos vinte anos. Talvez tivesse a honra de ser lembrado como quem tivera todo um futuro amputado. Talvez houvesse uma nostalgia do que não fui e, todos me dedicassem honrosas homenagens – dizendo que, certamente, eu brilharia. Mas, eu não morri. Tive a chance de ser e não fui. Tive a chance de brilhar, mas escolhi escurecer-me. Sou um tipo vulgar de homem. Destes que se encontram por todas as esquinas. Aparento sabedoria por meus cabelos grisalhos, a sensatez no falar, o bom gosto no vestir, mas, como todo homem comum, sou sisudo, desconfiado. Imerso na angustiosa razão de viver. Meus referenciais ficaram adormecidos no passado. E, a cada pessoa que deixava esta vida, era a minha que se via diminuta. Uma ausência carregada de um mistério imperscrutável. Tempo que se amiudava irrecuperável nas horas inacabadas do ser.
Guardo um livro autografado em minha estante. Um poeta que me fitou a face e me chamou de irmão. Tudo como um relâmpago ficou impresso na página de rosto: “de poeta para poeta”. Foi só. O único reconhecimento de pertencer a um círculo. A partir de então, nada mais de admirável. A vida tornou-se escorregadia. A poesia foi-se pelo ralo dos dias. E, o sentimento de pertencer a algum movimento se dissipou. Na verdade, as palavras eram apenas carícias em um ego inflado. Uma autoafirmação incompreensível que me jogou de encontro ao outro, fazendo-me revelar-lhe minha condição de escritor. Ele escreveu mecanicamente, com meio sorriso nos lábios e grande cortesia. Com o tempo, outros títulos se juntaram a este com outras dedicatórias. Outros pugilistas da palavra travavam esta luta vã no caos que se instala ante seus olhos. Deixavam, assim, relatos apaixonados pela arte de dizer “inutilidades”.

Aquele sentido de pertencimento não mais surgiu. Permanecia afastado das rodas. Um exílio voluntário distava o ponto. Algo dizia: “não estás contido nesse meio.” As grandes rodas pertencem aos literatos. Discutir o mundo, suas transformações, os enfoques sócio-culturais que dividem as nações e diferenciam os povos é coisa para intelectuais. Indivíduos versados nos mais diversos assuntos geopolíticos, capazes de discutir de forma enfática os mais profundos sentimentos da contemporaneidade. Não passava de um versejador de dores de cotovelo. Ora de uns espasmos delirantes, ora de um grito no escuro. Vez ou outra escrevia uns versos. Deixava inacabado um conto que logo se esvaia na mesma velocidade que surgira.  A solidão penetrava os poros e não servia de combustível, aliás, nem as doses excessivas de conhaque intuíam as palavras. Só uma intensa ressaca a corroer a alma.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

doloso




sei dessa angústia
tardia que habita
meus espelhos
matinais

e dessas paisagens
disformes retratadas
em papel de embrulho
descartadas à revelia

por ceder ao alheio
esmoreço em dolos
quantas faces
de Frida encontrarei
em vias expressas
e passeios públicos?

domingo, 30 de setembro de 2012

TESTAMENTOS (C)

VERTICAL III

cresço o desvario
nunca avario
a loucura

é loura
beldade nua

crua coroa de prazer

C

TESTAMENTO I, II, III

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Solução

 
 
fale com o moço de terno
aquele rapaz ali
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sonho

 
 
 
 
 
 
 
e se fôssemos assim todos
repletos de
ar
feito balão sem corda
entre as nuvens do
céu
sobre as águas do
 mar
?
flutuar
 .
 .
 .
 flutuar
 
 
              - Graça Carpes -

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Amargo como a morte


Mal tinha percebido que o dia começara, quando sua boca foi inundada pelo líquido amargo. Desceu rasgando por sua garganta, levando o incêndio para sua barriga. Estremeceu, revirou o rosto e, com um “argh”, seguiu em frente.

O chá de boldo é recomendado para problemas estomacais e no fígado. Ele o tomava por precaução. Para se preparar para o pior. Pois, independente do que seu dia aguardasse, não poderia ser pior.

Só a morte. Talvez.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Capa do livro Elefante (Editora: Coletivo Anfisbena, 2012)



Quebra-cabeça

1
Com Super Bonder®
por de pé o esqueleto da ave:
ofício repleto de ócio –
horas sobre ossos ocos
roídos por secreta mágoa

(o ar e o uso)

Silêncio do bico desgastado pelo canto
O formol roubou o brilho das penas
Largo gesto de asas, premeditado
O olho olha a parede e não vê

Mente quem diz: parece vivo


2
Palavra por palavra
para por de pé o poema:
bateia roendo o leito do rio

(o anel & o piercing
– de amores extintos –
resgatados para brilharem
   – again and again –
sobre uma luz cada vez mais fraca)

Palavra por palavra
para por de pé o poema:
broca em busca da cárie

3
Nada de novo no front
as palavras de sempre
sobre nova maquiagem

como mulher de revista pornô
: punheta para photoshop

Nada de novo no front
o poeta se gabando por
descobrir terra já cartografada –

habitada por centenas
milhares de babacas

domingo, 23 de setembro de 2012

Para sempre

foto: Snap That  

Ela pediu: Você espera por mim? Sempre?
Ele disse: Sim.
E então ela percebeu o absurdo dessa promessa.
Não há o que esperar, 
o sempre é agora.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Imagem Semelhança?



(pais e filhos)

Quando criança
Na ciranda de roda
Mamãe ralhava comigo
- Boneca não é brinquedo de homem!

Papai em seus ombros largos
Braços longos
Dedos fortes
Coxas grossas
Ventre cedido
Barriga disposta
Cabeça ereta e altivo
Nada se parecia comigo
Sequer aquela mulher furtiva

- Menino olhe para frente
Joãozinho não mostre o umbigo
Porte-se direito
Não curve as costas
Não mostre o dedo
Saliente o peito
Diminua o riso
Não perca a hora
Desfaça o joelho
Engrosse a fala
Ande com calma
Modos de mocinho

Automatizo meus atos
Inclinado a não querer
Decidindo o já disposto
Proeminente a contendas
Disritmizo o meu gozo
Automatismo dos hábitos:
- Não soo avant-garde por querer!


Poema de Túlio Henrique Pereira publicado originalmente no livro Antologia Amante das Leituras 2010 - Coimbra, coordenado por Ana Maria Gomes e Júlio A. B. Fernandes

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

minha vizinha pop star


queria ser magra, rica e famosa

tomou todo o laxante da gaveta
roubou a loja da esquina
e ficou na chuva
fazendo pose

para os raios que piscavam no céu

terça-feira, 18 de setembro de 2012

pássaro de cravo


Maggie Taylor


o que é imediato à carne pulsa
o que é eterno ao espírito atormenta

pensamento alheio a visão
sopro de sentido
escrito na mão do tempo

                 Flávia Amaro

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Atração Circense


 

Fossem malabares
dançaria faixas alternadas

grafismo menina multicor

a pipanoar pelos ares

deboche de meias listradas

faísca frufru sapatilha

Só ilha de vida no asfalto

Fosse do alto
desceria em feixes

desfiaria em panos

a apologia do deslize

e da perícia

que dissimula o esforço

e fixa a beleza fugidia

até no escorço improvável


Fosse calibrável
o senso por um fio

na trama dos olhares

que pleiteiam o mergulho

secando a linha reta

deixaria a perna bamba

de tanta corda e tanto fôlego

a desfiar a malha



Se não me falha

a percepção desgastada

existem outras modalidades

Não nomeio as peripécias todas

que mantém o espetáculo

de viver no encalço

do auge e da surpresa

 

Só tenho a certeza
de me chacoalhar

a vibração sonora

dum festival de risos

enquanto equilibro

na graça dos mímicos

meu nariz ridículo

híbrido palhaço

sobre o monociclo

a gritar com as mãos

a tragicomédia

dos amores vãos

Lábios encerados
num esgar carmim

cedem a palavra

aos movimentos táticos

que calam bem fundo

a malfadada sina de ser arlequim

quando já fomos mágicos


Iriene Borges